Mundo normal primitivo (q. 84 a 86)
Dando continuidade ao nosso estudo, vamos ler sobre o Mundo normal e primitivo, questões 84 a 86, de O Livro dos Espíritos.
Como reflexão, fica um convite para fazermos uma associação entre o texto da semana e as seguintes passagens do Novo Testamento:
1. LUCAS, cap. IX, vv. 59 e 60
Eis a passagem: Disse a outro: Segue-me; e o outro respondeu: Senhor, consente que, primeiro, eu vá enterrar meu pai. - Jesus lhe retrucou: Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o reino de Deus.
N’O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XXIII, itens 7 e 8, Kardec assim explica a passagem: Que podem significar estas palavras: "Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos"? As considerações precedentes mostram, em primeiro lugar, que, nas circunstâncias em que foram proferidas, não podiam conter censura àquele que considerava um dever de piedade filial ir sepultar seu pai. Tem, no entanto, um sentido profundo, que só o conhecimento mais completo da vida espiritual podia tomar perceptível.
A vida espiritual é, com efeito, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito, sendo-lhe transitória e passageira a existência terrestre, espécie de morte, se comparada ao esplendor e à atividade da outra. O corpo não passa de simples vestimenta grosseira que temporariamente cobre o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual se sente ele feliz em libertar-se. O respeito que aos mortos se consagra não é a matéria que o inspira; é, pela lembrança, o Espírito ausente quem o infunde. Ele é análogo àquele que se vota aos objetos que lhe pertenceram, que ele tocou e que as pessoas que lhe são afeiçoadas guardam como relíquias. Era isso o que aquele homem não podia por si mesmo compreender. Jesus lho ensina, dizendo: Não te preocupes com o corpo, pensa antes no Espírito; vai ensinar o reino de Deus; vai dizer aos homens que a pátria deles não é a Terra, mas o céu, porquanto somente lá transcorre a verdadeira vida.”
Com a explicação de Kardec, a associação entre os dois trechos, o d’O Livro dos Espíritos e o do Novo Testamento, fica clara: reforça-se a idéia de que o mundo espiritual é o que importa em primeiro lugar, e não o mundo material, o impermenante, o transitório.
Os trechos são os seguintes:
·Aquele que houver deixado, pelo meu nome, sua casa, os seus irmãos, ou suas irmãs, ou seu pai, ou sua mãe, ou sua mulher, ou seus filhos, ou suas terras, receberá o cêntuplo de tudo isso e terá por herança a vida eterna. (MATEUS, cap. XIX, v. 29.)
·Então, disse-lhe Pedro: Quanto a nós, vês que tudo deixamos e te seguimos. -Jesus lhe observou: Digo-vos, em verdade, que ninguém deixará, pelo reino de Deus, sua casa, ou seu pai, ou sua mãe, ou seus irmãos, ou sua mulher, ou seus filhos - que não receba, já neste mundo, muito mais, e no século vindouro a vida eterna. (S. LUCAS, cap. XVIII, vv. 28 a 30.)
·Disse-lhe outro: Senhor, eu te seguirei; mas, permite que, antes, disponha do que tenho em minha casa. - Jesus lhe respondeu: Quem quer que, tendo posto a mão na charrua, olhar para trás, não esta apto para o reino de Deus. (S. LUCAS, cap. IX, vv. 61 e 62.)
Como na questão anterior, vamos obter as explicações no capítulo 23 de O Evangelho Segundo o Espiritismo (itens 4,5 e 6): “Sem discutir as palavras, deve-se aqui procurar o pensamento, que era, evidentemente, este: ‘Os interesses da vida futura prevalecem sobre todos os interesses e todas as considerações humanas’, porque esse pensamento está de acordo com a substância da doutrina de Jesus, ao passo que a idéia de uma renunciação à família seria a negação dessa doutrina.
Não temos, aliás, sob as vistas a aplicação dessas máximas no sacrifício dos interesses e das afeições de família aos da Pátria? Censura-se, porventura, aquele que deixa seu pai, sua mãe, seus irmãos, sua mulher, seus filhos, para marchar em defesa do seu país? Não se lhe reconhece, ao contrário, grande mérito em arrancar-se às doçuras do lar doméstico, aos liames da amizade, para cumprir um dever? E que, então, há deveres que sobrelevam a outros deveres. Não impõe a lei à filha a obrigação de deixar os pais, para acompanhar o esposo? Formigam no mundo os casos em que são necessárias as mais penosas separações. Nem por isso, entretanto, as afeições se rompem. O afastamento não diminui o respeito, nem a solicitude do filho para com os pais, nem a ternura destes para com aquele. Vê-se, portanto, que, mesmo tomadas ao pé da letra, excetuado o termo odiar, aquelas palavras não seriam uma negação do mandamento que prescreve ao homem honrar a seu pai e a sua mãe, nem do afeto paternal; com mais forte razão, não o seriam, se tomadas segundo o espírito. Tinham elas por fim mostrar, mediante uma hipérbole, quão imperioso é para a criatura o dever de ocupar-se com a vida futura. Aliás, pouco chocantes haviam de ser para um povo e numa época em que, como conseqüência dos costumes, os laços de família eram menos fortes, do que no seio de uma civilização moral mais avançada. Esses laços, mais fracos nos povos primitivos, fortalecem-se com o desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral. A própria separação é necessária ao progresso. Assim as famílias como as raças se abastardam, desde que se não entrecruzem, se não enxertem umas nas outras. E essa urna lei da Natureza, tanto no interesse do progresso moral, quanto no do progresso físico.
Aqui, as coisas são consideradas apenas do ponto de vista terreno. O Espiritismo no-las faz ver de mais alto, mostrando serem os do Espírito e não os do corpo os verdadeiros laços de afeição; que aqueles laços não se quebram pela separação, nem mesmo pela morte do corpo; que se robustecem na vida espiritual, pela depuração do Espírito, verdade consoladora da qual grande força haurem as criaturas, para suportarem as vicissitudes da vida.”
Eis o trecho indicado:
“Pilatos, tendo entrado de novo no palácio e feito vir Jesus à sua presença, perguntou-lhe: És o rei dos judeus? - Respondeu-lhe Jesus: Meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, a minha gente houvera combatido para impedir que eu caísse nas mãos dos judeus; mas, o meu reino ainda não é aqui.
Disse-lhe então Pilatos: És, pois, rei? - Jesus lhe respondeu: Tu o dizes; sou rei; não nasci e não vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade. Aquele que pertence a verdade escuta a minha voz. (S. JOÃO, cap. XVIII, vv. 33, 36 e 37.)
Também aqui deixamos a explicação para quem possui competência: Kardec.
No segundo capítulo de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que se intitula Meu Reino não é deste mundo, assim o Codificador da Doutrina ensina:
“Por essas palavras, Jesus claramente se refere à vida futura, que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como a meta a que a Humanidade irá ter e como devendo constituir objeto das maiores preocupações do homem na Terra. Todas as suas máximas se reportam a esse grande princípio. Com efeito, sem a vida futura, nenhuma razão de ser teria a maior parte dos seus preceitos morais, donde vem que os que não crêem na vida futura, imaginando que ele apenas falava na vida presente, não os compreendem, ou os consideram pueris.
Esse dogma pode, portanto, ser tido como o eixo do ensino do Cristo, pelo que foi colocado num dos primeiros lugares à frente desta obra. E que ele tem de ser o ponto de mira de todos os homens; só ele justifica as anomalias da vida terrena e se mostra de acordo com a justiça de Deus." (item 2)
No item seguinte Kardec explica que Jesus não poderia desenvolver mais o conceito da vida futura porque o povo não tinha (e muitos ainda não têm) condições de compreender. Estando os homens mais maduros para compreender a verdade, o Espiritismo vem trazer os desdobramentos das palavras de Jesus, já não deixando dúvidas sobre o mundo espiritual e suas relações com o mundo da matéria. É compreensível que muitos ainda não queiram ver a verdade e a perseguição implacável que o Espiritismo sofreu e sofre é resultado da inferioridade intelectual e moral dos homens.
Eis o trecho: “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta.”
Paulo, nessa carta aos hebreus, dá clara indicação de que tinha conhecimento do mundo espiritual e da realidade dos Espíritos que nos rodeiam e que se acotovelam ao nosso lado. Kardec, na questão 459 de O Livro dos Espíritos, vai nos dar mais e interessantes detalhes da influência que essa “nuvem” desempenha em nossa vida. Aguardemos até lá.
Mundo normal primitivo
Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos, o mundo dos Espíritos, ou das inteligências incorpóreas. (q. 84)
O mundo espírita é o principal na ordem das coisas; ele preexiste e sobrevive a tudo. (q. 85)
O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem. (q. 85)
Os Espíritos não ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço. Eles estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Muitos deles estão continuamente ao nosso lado, observando-nos e sobre nós atuando, sem o percebermos, pois que os Espíritos são uma das potências da natureza e os instrumentos de que Deus se serve para execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos adiantados.” (q. 86)
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